Sou psicóloga e profissional da área de recursos humanos em uma empresa. Como o alcoolismo é uma situação que vivencio no meu dia-a-dia e por não saber quase nada a seu respeito nem como abordar um provável alcoólatra, recorri ao livro Alcoólicos Anônimos. Para minha surpresa, encontrei uma abordagem simples do problema visto por quem havia passado pelo problema e nada é mais real e objetivo do que a experiência pessoal.
Todo trabalho científico é baseado em pesquisa e experimentações e, mesmo o A.A. não se dedicando a este campo, constatou, através da experiência de milhares de membros, a gravidade e a possibilidade de uma nova abordagem do assunto, ainda tão desconhecido de nossa sociedade.
É o alcoolismo visto sob a ótica de quem trilhou o seu caminho, uma abordagem de dentro para fora, riquíssima em seu conteúdo.
O capítulo 10 do livro Alcoólicos Anônimos tem como título “Aos empregadores” e traz um roteiro completo de como devem ser abordados casos de alcoolismo em empresas e eu tenho adotado as sugestões lá recomendadas.
Para simplificar e até distribuir para outros colegas de profissão que têm o mesmo problema em sua rotina profissional, condensei o conteúdo deste riquíssimo capítulo da forma que segue abaixo.
Se encontrarem algum proveito nele, valeu a pena. Caso contrário valeu a pena da mesma forma, pois pude ter acesso ao conteúdo deste programa maravilhoso de recuperação que é Alcoólicos Anônimos.
Roteiro simplificado de como o profissional de recursos humanos de uma empresa deve se relacionar com o problema alcoolismo dentro da empresa.
• Primeiro passo: se informar sobre o alcoolismo. Indicação dos livros: – “O texto básico de Alcoólicos Anônimos” (Livro Azul) e “Os Doze Passos e as Doze Tradições” (são adquiridos em A.A.).
• Compreender que o alcoolismo é uma doença grave.
• Tendo certeza de que seu funcionário não quer parar de beber, deverá ser demitido. E que fique claro quanto ao motivo: Alcoolismo.
• Ter uma atitude compreensiva em relação a cada caso.
• Diga-lhe que sabe o quanto ele bebe e que aquilo precisa acabar. Você pode dizer que aprecia sua capacidade, que gostaria de conservá-lo na empresa, mas que não poderá fazê-lo se ele continuar a beber. Uma posição firme, neste sentido, irá ajudá-lo.
• A seguir, garanta-lhe que não pretende fazer um sermão, dar lições de moral ou condená¬lo. Que, se isto foi feito antes, foi por uma questão de falta de conhecimento de causa. Se possível, demonstre que não nutre contra ele sentimentos negativos. Neste ponto, talvez seja uma boa ideia explicar-lhe o alcoolismo como doença. Diga que você acredita que ele esteja gravemente doente, com esta ressalva: sendo talvez portador de uma doença fatal gostaria ele de se recuperar? Você pergunta por que muitos alcoólicos, estando mentalmente perturbados e embotados, não querem parar de beber. Mas e ele, quer? Dará os passos necessários, submetendo-se seja ao que for para parar de beber? Se ele disser que sim, está sendo realmente sincero, ou no fundo acha que pode enganá-lo e que, depois de um descanso e tratamento conseguirá continuar a tomar uma ou outra dose de vez em quando? Achamos que um homem deve ser cuidadosamente investigado em relação a estes pontos. Certifique-se de que ele não o esteja enganando, ou a ele mesmo.
• Se ele contemporizar e ainda achar que pode beber outra vez, mesmo que seja só cerveja, poderá perfeitamente ser demitido depois do próximo porre que, sendo um alcoólico, certamente tomará. É preciso que ele entenda bem isto. Ou você está lidando com um homem que pode e quer se recuperar ou não está. Se não estiver, por que perder tempo com ele? Isto pode parecer duro, mas em geral é o melhor caminho.
• Depois de se certificar de que seu empregado quer se recuperar e que fará o que for preciso para conseguir, você pode sugerir-lhe um programa de ação definitivo. Para a maioria dos alcoólicos que está bebendo, ou acabando de sair de uma bebedeira, uma certa dose de tratamento físico é necessária, e até imperativa. A questão do tratamento físico deve, é claro, ser submetida a seu próprio médico. Seja qual for o método adotado, seu objetivo é eliminar do corpo e da mente os efeitos do alcoolismo. Em mãos competentes, isto raramente demora muito e não custa muito caro. Seu funcionário se sentirá melhor se for posto em condições físicas tais que lhe permitam pensar com clareza e não sentir mais a compulsão pelo álcool.
• Se você lhe propuser tal procedimento, talvez seja preciso adiantar-lhe o custo do tratamento, mas acreditamos que deva ficar claro que quaisquer despesas serão futuramente deduzidas de seu salário. É melhor para ele sentir-se responsável.
• Se o funcionário aceitar sua oferta deve ser enfatizado que o tratamento físico é apenas uma pequena amostra do que o espera. Embora você lhe esteja proporcionando os melhores cuidados médicos, ele deve compreender que precisa passar por uma reformulação interna. Superar o hábito da bebida irá requerer uma modificação de pensamento e atitudes. Todos nós precisamos colocar a recuperação acima de tudo o mais, pois sem a recuperação teríamos perdido tanto o lar quanto o emprego.
• Você pode confiar totalmente em sua capacidade de se recuperar? Por falar em confiança, será que você poderá adotar a atitude de que, no que depender de você, tudo isto permanecerá um problema estritamente pessoal, que seus erros devidos ao alcoolismo e o tratamento ao qual ele vai se submeter nunca serão discutidos sem o consentimento do próprio? Talvez seja bom ter uma boa conversa com ele, quando voltar ao trabalho.
• Caso você se sinta inseguro para ter tal conversa ou seu relacionamento com o funcionário esteja ligado por um grande laço de amizade poderá estar tendo este tipo de conversa com o alcoólico: “Ei, fulano, você quer parar de beber ou não? Cada vez que você bebe, eu é que fico no fogo. Não é justo, nem comigo nem com a firma. Eu estive estudando umas coisas sobre alcoolismo. Se você for um alcoólico, é um homem seriamente doente. Você age como se fosse. A empresa quer ajudá-lo a melhorar e, se estiver interessado, há um jeito de sair dessa. Se for em frente, seu passado será esquecido e o fato de que você foi afastado para tratamento médico não será divulgado. Mas, se você não quiser ou não puder parar de beber, acho que deve pedir demissão”.
• Lembramos que o sigilo e a ética devem ser estritamente respeitados. Comentários sobre o assunto com pessoas que não estão diretamente ligadas ao funcionário só serviram para gerar fofocas e comentários maliciosos. Naturalmente, este tipo de coisa reduz as chances de recuperação do funcionário. O empregador deve proteger o funcionário deste tipo de mexerico, defendendo-o contra provocações desnecessárias ou críticas injustas.
• Caso ele (a) recaia, por uma vez que seja, cabe ao seu superior decidir se será ou não mandado embora. Se estiver convencido de que ele não está levando o caso a sério, não há dúvidas de que deve demiti-lo. Se, pelo contrário, tiver a certeza de que ele está fazendo o que pode, talvez queira lhe dar outra chance. Mas você não deve se sentir obrigado (a) a conservá-lo na empresa, pois sua obrigação já foi totalmente cumprida.
• Em resumo, ninguém deveria ser demitido apenas por ser alcoólico. Se quiser parar de beber, deve merecer uma chance. Se não puder ou não quiser parar, deve ser demitido. Poucas são as exceções.
Este tipo de enfoque resolverá muitos problemas e permitirá a reabilitação de bons funcionários e ao mesmo tempo você não hesitará em se livrar daqueles que não querem ou não conseguem parar com a bebida.
O alcoolismo pode estar causando muito prejuízo à sua empresa, em termos de perda de tempo, pessoal e reputação, ou poderá causar um grave acidente de trabalho.
Estas sugestões têm como objetivo ajudar a eliminar estas perdas, às vezes consideráveis.
Andréia Boggione
Psicóloga Organizacional
Profissional da Área de Recursos Humanos Betim/MG
Vivência nº 99 – Janeiro/Fevereiro 2006