Box 4-5-9, Abr. Mai. 2003 (pág. 3 a 5)
Título original: “El apadrinamiento – como éramos”
“Assista às reuniões e consiga um padrinho”. Duas enérgicas sugestões que são dadas a quase todos AAs em sua primeira reunião. Tanto para o recém chegado com a clássica tremedeira quanto para o veterano bem experiente, o apadrinhamento tem sido um fator crucial da sobriedade sólida, e este ano (2003), o lema da Conferência de Serviços Gerais “Vivendo os princípios de A.A. através do apadrinhamento”, oferece à Irmandade em sua totalidade uma oportunidade de examinar a eficácia do apadrinhamento nos dias de hoje. Os membros da Conferência irão considerar detidamente o quão aplicados temos sido em cumprir nossa responsabilidade de apadrinhamento, e se perguntarão se talvez está desaparecendo; também irão falar de possíveis formas de fornecer informação aos médicos e a outros profissionais.
Nossa experiência nos revela a evolução do apadrinhamento que passou de um sistema por vezes rígido de doutrinamento para este arranjo pouco formal e individual que hoje conhecemos. As raízes do apadrinhamento são mais antigas que a própria Irmandade de A.A. Em novembro de 1934, Ebby T., velho companheiro de Bill W., veio visitá-lo. Ebby estava sóbrio pela primeira vez em muito tempo, que Bill pudesse lembrar; e estava muito desejoso de falar a respeito de sua nova maneira de viver. Em um artigo comemorativo publicado na edição de junho de 1966 da revista Grapevine, Bill escreveu: “Como é do conhecimento da maioria de vocês, Ebby, me falou da libertação do desespero que havia conseguido no Grupo de Oxford como resultado do autoexame, a reparação, a doação aos outros e a oração. Em poucas palavras, estava-me propondo as atitudes e princípios que mais tarde seriam usados para formular os Doze Passos para a recuperação em A.A.” Bill demorou algum tempo para alcançar a sobriedade, e a Ebby lhe resultou difícil manter a sobriedade por períodos de tempo mais longos, porém, para Bill essa foi a primeira experiência do poder do intercâmbio entre um alcoólico e outro e ao longo de toda sua vida Bill continuou a chamar Ebby de “meu amigo e padrinho”.
O surpreendente poder do compartilhamento pessoal sempre tem sido a força motriz, o coração mesmo, da vida e do desenvolvimento de A.A. No fim da primavera de 1939, Bill W., longe do seu lar e sua família, sentindo-se desesperadamente desejoso de manter sua recém encontrada sobriedade, se dispôs a procurar outro bêbado e acabou por levar a mensagem ao cofundador, o Dr. Bob S. Seu encontro marcou o começo real da Irmandade de A.A. e juntos, estes dois homens encontraram-se com outros bêbados e lhes levaram a mensagem de esperança. Nossos membros fundadores de Akron e Nova York se puseram imediatamente em ação fazendo o trabalho do Décimo Segundo Passo, levando a mensagem a alcoólicos nos hospitais e onde queira que estivessem, assegurando que eles também praticassem os passos que a incipiente Irmandade estava formulando como programa de recuperação.
Este pequeno grupo de ex-bêbados de Akron, e depois de Nova York, se manteve unido por absoluta necessidade e enviaram membros sóbrios para fazer visitas a possíveis membros e acompanhar seu progresso. Nos primeiros dias, os bêbados com frequência se hospedavam nas casas dos membros sóbrios até alcançar um mínimo de estabilidade. Porém, passados alguns anos, e depois de várias experiências desagradáveis, perceberam que muito poucos “hospedes” alcançavam a sobriedade, e da possibilidade de que não lhes estiveram fazendo favor algum.
No livro O Dr. Bob e os bons Veteranos é descrito o crescimento lento de A.A. em Akron justamente no período que se seguiu ao retorno de Bill a Nova York. “Em fevereiro de 1937 voltamos a calcular o número de membros e tinham ingressado mais sete subindo o total para 12. Também havia algumas dezenas que tinha que tinham algum conhecimento do programa. Durante esse período, o Dr. Bob e os membros pioneiros elaboraram juntamente com os mais novos um procedimento que foi muito rígido no começo, porém com o passar dos meses e dos anos foi-se tornando mais flexível e aberto”.
Primeiro, iam falar com a esposa, e lhe perguntavam se o seu marido realmente queria parar de beber. Então, o Dr. Bob ia pessoalmente falar com o homem e lhe assegurava que, se realmente levava o assunto a sério, eles poderiam lhe ajudar. Clarence S., um dos pioneiros, disse que, “em Akron e Cleveland você não podia simplesmente chegar e se apresentar numa reunião tal como hoje é feito. Você precisava ser apresentado por um companheiro. A esposa chamava primeiro e eu ia falar com ela. Contava-lhe minha história. Eu precisava saber alguma coisa a respeito do possível novo membro. Então eu saberia como abordá-lo. Talvez lhe cria-se uma armadilha. Assim teria no que me apoiar”.
Warren C. disse que, “não sabíamos nada de atração. Começávamos falando sua esposa, ou talvez procurávamos seu chefe, e quando íamos falar com homem já tínhamos um bom conhecimento dele”. Depois dessa entrevista preliminar, o possível membro era internado em um hospital para se desintoxicar. Quando o iniciante estava suficientemente restabelecido, todos os membros que moravam na cidade iam visitá-lo diariamente, três ou quatro no começo e 20 ou mais alguns anos mais tarde. Se o iniciante concordava em se juntar a eles, tinha que admitir que era impotente perante o álcool e entregar sua vontade a Deus na presença de um ou mais membros.
O apadrinhamento pessoal e individual, tal como o conhecemos hoje, parece ter-se originado no Grupo de Cleveland. Em outubro de 1939, foi publicada no Cleveland Plain Dealer uma série de artigos a respeito de A.A. que marcou o começo de uma nova época para Alcoólicos Anônimos, a época da fabricação em série da sobriedade. Bill W., escreveu em A.A. atinge a maioridade, “a central de atendimento do jornal foi inundada por chamadas que eram remetidas ao pequeno Grupo de Cleveland. Semana após semana, os companheiros saiam correndo apreensivos a fazer visitas do Décimo Segundo Passo aos cada vez mais numerosos candidatos.
Logo ficou claro que seria necessário elaborar um sistema de apadrinhamento pessoal para os novos. Um membro mais antigo era designado para visitar o mais novo na sua casa ou no hospital, explicar-lhe os princípios de A.A. e acompanhá-lo à sua primeira reunião. Porém, ao ver-se rodeados de tantos pedidos de ajuda, percebiam que não havia suficientes veteranos para satisfazer a demanda. Recém chegados que tinham um mês ou apenas uma semana sóbrios tinham que apadrinhar alcoólicos que ainda estavam se desintoxicando nos hospitais”.
Quando o primeiro Grupo chegou a ter bastantes membros, iniciou-se outro Grupo e logo se estabeleceu o terceiro Grupo. Felizmente o Big Book tinha saído da gráfica já havia seis meses e também havia disponíveis alguns folhetos, com o qual foi evitado que aquela situação frenética levasse à confusão e a anarquia.
Os pioneiros de Akron e Nova York tinham graves dúvidas. Como seguir em frente?Ninguém sabia. Porém, um ano depois ficaram sabendo; tendo chegado a 30 Grupos e várias centenas de membros, os pioneiros de Cleveland tinham demonstrado três coisas essenciais: a importância do apadrinhamento pessoal, a importância do Big Book para informar os iniciantes e o maravilhoso feito de que, uma vez que as boas-novas se difundissem suficientemente, A.A. seguramente poderia crescer até chegar a ser muito grande.
Na medida em que A.A. ia se desenvolvendo, muitos Grupos começaram a elaborar programas para ensinar os recém-chegados e a meados da década de 1940, os editores da nova revista nacional de A.A., a Grapevine, pediram aos seus leitores que compartilhassem a experiência de seus Grupos em seus projetos para apadrinhar os iniciantes. No número de junho de 1945 foram descritas quatro reuniões educativas, às quintas-feiras à noite, realizadas pelo Wilson Club, um dos Grupos de St. Louis. A primeira reunião foi dedicada à história de Bill, bêbado e sóbrio, e o desenvolvimento de A.A. até chegar a St. Louis. Durante um intervalo de 15 minutos era pedido a cada participante para escrever algumas palavras explicando o que ele considerava ser alcoólico. Depois disso, um médico explicava os aspectos clínicos do problema.
Na segunda reunião era tratado o aspecto espiritual e os Doze Passos, e para concluir, era lido um discurso do jesuíta padre Dowling, que foi quem iniciou os Grupos em St. Louis. Na reunião da terceira semana se falava do restante dos capítulos do Big Book e havia uma palestra proferida por um pastor protestante. Na última reunião era feito um breve repasse da literatura de A.A. e se explicava o funcionamento do Wilson Club.
Para ser considerado um membro ativo e com pleno direito do Wilson Club, era necessário assistir essas quatro reuniões educativas. Depois de feito, o candidato recebia um cartão de ingresso na cor branca que o identificava como membro. Ao completar um ano de sobriedade, o membro recebia um cartão dourado.
Na edição de setembro desse mesmo ano, a Grapevine publicou correspondência do Grupo Genesee de Rochester onde comunicava que também havia desenvolvido um programa educativo que, à semelhança do Wilson Club, também constava de quatro partes, porém, antes de assistir à primeira reunião no Grupo, os principiantes, ou novatos como eram chamados, deveriam passar por uma entrevista em forma de sabatina ou teste conduzido pelos padrinhos. Conforme a experiência relatada por aquele Grupo, a integração de pessoas indiscriminadamente no Grupo, sem a suficiente informação e um treinamento preliminar poderia provocar grandes dificuldades e causar dano na moral do Grupo. Em sua opinião, o novato tinha que aceitar o programa sem reservas antes de se tornar membro: “Cada iniciante progride até este ponto no seu próprio ritmo, conforme sua capacidade mental, seu desejo de aprender e a honestidade de seu autoexame. O Grupo aceita como palavra final o veredicto do seu padrinho a respeito de quando o novato está pronto para ingressar, e o próprio padrinho o conduz à primeira reunião”.
Na edição de julho de 1945, a Grapevine publicou uma lista com 19 características do bom apadrinhamento elaborada pelo Grupo de Minneapolis. Feito um resumo de algumas sugestões – que poderiam muito bem ter sido retiradas do atual folheto “Perguntas e respostas sobre apadrinhamento”, as relacionadas nos números de 15 a 18 oferecem uma lição a respeito do caráter do alcoólico:
“15-. Quando um bêbado recorre a outro padrinho para lhe contar histórias de perseguição, se este padrinho não consulta o primeiro, o assunto se converte numa questão de personalidades, e o segundo padrinho acabará por perceber que foi enganado pelo reincidente.
16-. Não dê atenção às fofocas dos reincidentes.
17-. O segundo padrinho deverá conversar com o primeiro para se informar do acontecido e evitar que aquilo volte a se repetir com ele.
18-. Se um membro novo começa a apresentar desculpar pela sua ausência nas aulas e nas reuniões, depois de um breve período de tempo, o padrinho devera lhe reforçar a importância do comparecimento. Se a situação permanecer, o novato criou uma condição na qual o padrinho não pode fazer nada. Melhor deixá-lo. A semente foi plantada; o padrinho deverá procurar outra atividade. Mais cedo ou mais tarde chegará o dia em que o novato volte porque ‘deseja’ A.A.”
Em números posteriores da Grapevine, foram mostradas as experiências dos Grupos de St. Paul e Chicago, onde era reforçada a necessidade de reuniões educativas para os novos membros. Os Grupos de St. Paul tinham um programa de três reuniões começando com os três primeiros Passos, depois falavam do inventário e reparações e finalizavam com os aspectos espirituais do programa.
Em Chicago foi criado um sistema de Grupos de bairro iniciado por dois veteranos que tiveram a ideia de conversar informalmente com seus afilhados e convidá-los a visitar suas casas para falar a respeito de qualquer problema que pudessem ter. A experiência teve sucesso e a cidade foi dividida em dez áreas; em cada uma delas formou-se um grupo de discussão que se reunia regularmente às quintas feiras à noite.
Num desses artigos da Grapevine descreve a experiência das reuniões de terça feira à noite no Chicago Loop: “Conforme o tempo passava, o crescente número de participantes parecia justificar a criação de uma reunião especial de instrução. A primeira foi realizada num canto do grande salão de reuniões: um veterano voluntário reuniu os novatos para lhes falar e responder suas perguntas. Este modelo improvisado foi tão bem sucedido que, a partir de então, foi criada uma reunião nesse formato que precedia à reunião principal”.
O artigo que mais atenção atraiu nessa série publicada pela Grapevine apareceu em setembro de 1947 com o título “O modelo de Little Rock está dirigido aos possíveis membros” e descreve um sistema muito rigoroso e formal.
Acredita-se que o “Modelo Little Rock” foi o primeiro (*) desse tipo no país. Simplesmente seguindo conscienciosamente esse modelo foram atraídas centenas de pessoas para A.A. Não era fácil ser membro daquele Grupo. Quando alguém manifestava o desejo de alcançar a sobriedade e se lhe designava um padrinho, tinha que deixar seu posto de trabalho por um período mínimo de duas semanas. Normalmente, o candidato era obrigado a passar esse tempo nas salas de reunião, estudando, preparando a história de suas experiências e cumprindo as tarefas impostas pelo padrinho.
Se, depois de duas semanas o padrinho estivesse satisfeito com o aproveitamento de seu afilhado, o apresentava ao comitê executivo do Grupo e fazia a solicitação de ingresso como novo membro. Se aceito, o padrinho o acompanhava à próxima reunião onde lhe eram dadas as boas vindas e recebia uma copia do “Programa de acolhimento” e dos Doze Passos.
Porém, isso não bastava. Não era dito simplesmente “Agora siga seu caminho e que Deus o abençoe”. Recebia um pequeno diário onde, durante 28 dias, deveria escrever suas impressões diárias sempre finalizando com “Hoje não bebi” e sua assinatura.
No final desse período entregava o diário ao Comitê, recebia de novo as boas vindas e somente então era considerado efetivamente como membro. Depois, sob a orientação de um veterano, lhe eram destinadas tarefas concretas e recebia incentivo para trabalhar com novos candidatos.
Dois meses depois da publicação deste artigo, a redação da Grapevine começou a receber cartas indignadas: “Isto parece um plano da polícia e do departamento de liberdade condicional. Há apenas um único modelo em A.A., e ele se encontra no libro (Livro Azul). Sem organização. Sem regras”, escreveu A. M. desde Los Angeles.
Desde Detroit, H. E. T. disse iradamente, “Por Deus! O que tem em Little Rock? Um campo de concentração? De onde lhes vem a autoridade para deixar alguém fora do Grupo? Imaginem! Alardear obstáculos para se juntar a A.A.!” e, E. B. T. de Boston, protestou: “Dá a impressão de que Little Rock se orgulha de ser rígido e, obviamente, no artigo publicado, parecem ter mais orgulho das poucas recaídas do que ajudar àqueles que peçam a ajuda de A.A. Isto pode ser algum tipo de grupo; mas não parece um Grupo de A.A.”
O modelo de Little Rock pode parecer excessivamente extremado para a grande maioria dos membros de A.A., porém, sempre houve tantos tipos de apadrinhamento quantos padrinhos e iniciantes tem havido. Alguns membros puderam superar os dias difíceis do começo da sobriedade somente porque seus padrinhos lhes impunham uma disciplina estrita – “meu padrinho nunca me fez sugestões”, ouve-se de alguns atualmente. Outros somente conseguiram prosperar com um grau de tutela mais suave de padrinhos sempre disponíveis, porém, que deixavam que seus afilhados se conduzissem à sua maneira. Na sua essência, como tantas outras coisas em A.A., o apadrinhamento, frequentemente, é eficaz apesar dos participantes. Como escreveu um colaborador anônimo na página de discussão de grupo da Grapevine, em maio de 1948: “A.A. oferece a possibilidade de dar a Deus a oportunidade”.
(*) N.T.: Alguns historiadores registram que o primeiro trabalho escrito sobre apadrinhamento foi o panfleto “Apadrinhamento em A.A. suas Obrigações e Responsabilidades”. Foi escrito por Clarence H. Snyder em 1944 e impresso pelo Comitê Central de Cleveland. Veja-o a seguir.