Dr. Lais Marques da Silva
Custódio não alcoólico por nove anos e Presidente da JUNAAB por seis
O silêncio que se observa nas reuniões dos grupos de A.A. cria uma atmosfera de confiança e respeito recíprocos entre o alcoólico que faz o seu depoimento e os demais companheiros. O olhar daquele que faz o seu depoimento encontra calor humano e resposta por parte daqueles que o escutam em silêncio, tudo isso levando a uma comunhão de interioridades. O silêncio permite o estabelecimento de uma abertura, de uma disponibilidade pessoal em relação àquele que oferece a sua experiência além de facilitar o aparecimento de uma relação marcada pelo sentimento de confiança, fundamental para a comunicação, para que se possa abrir para o outro, para que haja o relacionamento que possibilita o desenvolvimento de liames profundos e para o surgimento de amizades verdadeiras. Confiar é indispensável para se livrar de doenças e é manifestação de fé em si mesmo, nos outros e no Poder Superior. O silêncio é o caminho que leva ao encontro consigo mesmo e com o outro.
O silêncio de quem escuta um depoimento transmite a seguinte mensagem a quem o faz: eu sei que você tem valor, sei que você é apenas um doente, sei que você é um ser humano e que, como eu, sofre de uma devastadora enfermidade. Por tudo isso, você merece o meu silêncio, a minha atenção e o meu respeito, a minha compreensão e a minha compaixão, esta, entendida como a consciência profunda do sofrimento de outra pessoa associada ao desejo de ajudá-la.
Dar atenção ao próximo é ato de amor e a maneira mais comum e importante do exercício da atenção é escutar. Mas aprendemos na escola a ler e a falar, mas não a escutar, a despeito de que as pessoas, na sua vida diária, passam muito mais tempo escutando do que falando ou escrevendo. Mas é difícil escutar bem e, na maioria dos casos, as pessoas simplesmente não escutam ou praticam uma escuta seletiva em que ficam atentas apenas ao que lhes interessa ou para encontrar o momento certo em que uma conversa possa ser encerrada.
Para escutar, é necessário calar, silenciar, abrir os ouvidos da mente e se por, com atenção, a escutar quem fala. Ouvir profundamente significa auscultar, prestar atenção, dar ouvidos, compreender, acolher, entender, examinar, discernir. O silêncio dos que escutam um depoimento atua como se fosse uma substância mágica que possibilita a expressão daquele que doa o seu depoimento. A relação com o conjunto do grupo não se faz apenas pela continuidade da fala mas também, dispondo de tempo, pelos momentos de suspensão em que aquele que oferece o seu depoimento organiza o raciocínio, pelos momentos em que se cala; até porque a fala não revela o pensamento por inteiro porque também é habitada pelo silêncio, completada pelo impensado e pelo paradoxo.
É preciso estar disposto a se esforçar para conseguir escutar verdadeiramente. O esforço para escutar o depoimento de um companheiro vem do fato de entender que ele necessita da nossa atenção e que é digno dela. Por outro lado, a atenção dedicada pelo companheiro que ouve um depoimento também o beneficia, pois resulta em seu próprio crescimento que, por outro lado, ocorre a partir do conteúdo daquilo que está recebendo. No momento de silêncio, em que ouvimos atentamente o depoimento de um companheiro, suspendemos todos os nossos juízos, pensamentos e preocupações. Desapegamos do nosso próprio ser. Esse silêncio nos convida a superar os obstáculos do preconceito, da exclusão, da falta de diálogo e da falta de solidariedade.
Podemos avaliar, a partir das considerações que vimos fazendo, a importância de se estar em um ambiente em que se desfrute de um profundo e acolhedor silêncio quando nos lembramos de situações que, muitas vezes, marcaram muito as nossas vidas. Recordamos de várias situações das quais saímos nos sentindo muito mal por não termos conseguido dizer o que desejávamos. Não é que tenhamos sido muito exigentes, mas apenas, que tivemos dificuldade em articular calmamente o que desejaríamos ter dito e o resultado é que ficamos frustrados, raivosos e nos sentindo culpados. Quando podemos, descarregamos essa raiva em alguém e o que resulta é que as pessoas que estão à nossa volta fecham seus ouvidos para as nossas colocações, resultando que fica, por mais essa razão, ainda mais afastada a esperança de se entrar em harmonia com os outros. Podemos também, por decoro, jogar a raiva para dentro e, nesse caso, vamos nos tornando progressivamente mais descontentes e tendemos a abandonar o convívio daquelas pessoas ou até mesmo a abandonar uma instituição a que pertencemos.
No entanto, ao contrário, desfrutando do silêncio respeitoso reinante nas reuniões dos grupos, os alcoólicos têm oportunidades repetidas de, calmamente, ir se desenvolvendo e se tornando progressivamente mais capazes de realizar uma comunicação plena sem que ocorra o fechamento dos ouvidos por parte dos que ouvem o depoimento. Desfrutando do silêncio do grupo, pelo contrário, muitos companheiros vêm curtindo a sensação positiva de liberdade, de alívio e de relaxamento que vem depois de terem podido passar as suas mensagens, de terem participado e colaborado. À medida que os depoimentos se sucedem, o raciocínio vai ficando cada vez mais claro, as idéias vão sendo arrumadas, a qualidade do relacionamento com os companheiros do grupo vai melhorando. Fica clara a importância da linguística nos processos de socialização e de individuação que possibilitam o entendimento e a aprendizagem social.
Na verdade, a língua presa e o sentir-se culpado são manifestações longínquas de falta de afirmação pessoal, de incapacidade de ser assertivo e aí vale notar que a falta de autoestima está na raiz do problema. Sem acreditar que temos valor, não seremos capazes de fazer as nossas colocações, de expressar as nossas necessidades de modo convincente e, nessa condição, os nossos argumentos irão falhar e recuaremos ou concordaremos quando o que desejávamos era dizer não.
A essa altura, é importante destacar que o amor ao próximo é uma via de mão dupla porque, estando dirigido para aquele que faz o depoimento, o faz perceber a concentração, a atenção e o amor que lhe chegam da parte de quem o escuta, e o faz se sentir gratificado. Quem faz o depoimento doa a sua experiência, valiosa e única, e quem o escuta, o receptor, se torna, desse modo, também doador, na medida em que oferece ao depoente a sua atenção e o seu amor. Escutar com atenção total e completa, avaliando cada palavra e entendendo cada frase, é a verdadeira forma de escutar, que exige um grande e indispensável esforço de concentração ao dedicar o seu tempo apenas a quem faz o seu depoimento, colocando de lado as suas preocupações, os seus pensamentos. É um esforço amoroso. Fazê-lo é prova de estima e consideração e, quem escuta, ao valorizar o depoimento, faz o depoente se sentir valorizado. Sentindo-se assim, o depoente ficará estimulado a fazer relatos de maior conteúdo. Fica disposto a oferecer a sua estima e, com isso, estabelece-se um ciclo, ascendente e criativo, de evolução e de crescimento. Mas esse ciclo virtuoso exige atenção, concentração e, portanto, esforço, e não poderá ocorrer senão em ambiente de silêncio completo. O barulho, as conversas e os movimentos de pessoas dentro do grupo tiram a atenção, quebram a concentração e todo o riquíssimo processo fica comprometido.
A escuta atenta implica em contenção e em afastamento da própria personalidade e isso leva à aceitação do outro. Por outro lado, percebendo-se aceito, o companheiro que faz o seu depoimento sente-se menos exposto, menos vulnerável e isso cria um caminho para que o companheiro possa abrir-se mais completamente. Importa ainda considerar que, frequentemente, o depoente recebe atenção amorosa depois de muitos anos de um grande vazio e, às vezes, até pela primeira vez na vida.
O fato importante e fundamental para a recuperação do alcoólico, e que só é possível no ambiente silencioso dos grupos de A.A., é que o companheiro só ganha consciência da importância da sua individualidade na medida em que é reconhecido como tal pelos outros companheiros, pelas outras consciências. Isso ocorre na família, posteriormente na vida social e, especialmente, nos grupos de A.A.. A identidade da consciência individual, subjetiva, depende desse reconhecimento uma vez que a identidade do eu só ocorre através da identidade do outro que me reconhece como tal e que, por outro lado, depende também de que eu o reconheça. Este é um mecanismo extremamente importante na construção do indivíduo, pois que indispensável para o crescimento da sua própria humanidade. E isso é o que acontece no ambiente respeitoso e silencioso dos grupos de A.A..
A compaixão que é despertada nos companheiros dos grupos, numa atmosfera marcada pelo silêncio, significa que eles sentem no coração um impulso forte para ajudar aquele que faz o seu depoimento a se livrar do seu sofrimento. É uma saudável atitude da mente e do corpo que procura aliviar a dor e o sofrimento de outros seres humanos. A compaixão é a resposta espontânea de um coração que está aberto para os companheiros do grupo. Resulta, então, que as pessoas se sentem mais próximas e mais confortáveis no convívio mútuo. Pensam nas outras pessoas, chegam a uma compreensão madura de si mesmas e das suas relações com os outros.
Não há sentimento mais denso e mais enriquecedor que a compaixão. Nem mesmo a nossa própria dor pesa tanto quanto a que sentimos com alguém e por alguém. Esta dor é amplificada pela nossa imaginação quando, mais tarde, dialogando conosco, começamos a imaginar como deve ter sido grande o sofrimento do companheiro diante dos fatos que nos foram relatados no seu depoimento, dor que é prolongada por muitos ecos, ou seja, pelas lembranças que conservamos e que voltam à nossa consciência repetidas vezes. Esses sentimentos compõem a espiritualidade e aumentam a nossa dimensão humana; despertam o amor ao próximo, o sentimento de fraternidade.
O sofrimento é uma experiência universal e, por isso, deveria existir mais compaixão no mundo. O problema está em que, frequentemente, não nos encontramos abertos para sentir dor. Se fugimos dela e nos defendemos, isto significa que também nos fechamos para o aparecimento da compaixão. Mas não é preciso ser santo para sentir compaixão, ela é a resposta natural de um coração aberto em relação a outro ser humano.
Usualmente estamos com os corações fechados para sentir dor. Afastamo-nos da dor, nos fechamos, nos defendemos. Nesse caso, a fonte da compaixão permanece fechada e saímos do que é verdadeiro e próprio do ser humano para o que é fabricado, decepcionante e fonte de confusão, e isso ocorre quando nos voltamos para as coisas do mundo que nos cercam.
Compaixão não é o mesmo que tristeza. As pessoas usualmente têm uma aversão ao sofrimento, à tristeza, mais do que uma abertura em relação a ela. Assim, dizemos que uma pessoa é “baixo astral” e nos afastamos dela porque nos faz sofrer. Afastamo-nos ou fazemos alguma coisa para aliviar a nossa tristeza. Fazemos isso por nós. Mas se prestarmos atenção à diferença entre tristeza e compaixão, veremos que, na compaixão, não há fixação nem aversão e que a condição de abertura em relação ao sofrimento do outro é realmente a grande motivação para uma resposta hábil e efetiva. A tristeza incomoda, a compaixão abre o coração para o sentimento de amor ao próximo, para o fato de sermos irmãos.
Nos grupos, não há uma atmosfera de tristeza, como se poderia imaginar e as pessoas que não conhecem o A.A. pensam que lá existe muita tristeza. Ao contrário, o ambiente é alegre, composto por pessoas vitoriosas e que têm os seus corações abertos ao sofrimento, que sentem compaixão; e a alegria se traduz em saúde e é uma forma de terapia. Agora é possível imaginar o quanto de silêncio e respeito é necessário existir numa reunião de grupo para que se vá absorvendo essas realidades, sentindo essas tênues diferenças, mesmo não estando consciente delas.
O silêncio respeitoso propicia o surgimento da empatia, que é a tendência para sentir o que se sentiria caso estivesse na situação e nas circunstâncias experimentadas por outra pessoa. Os companheiros abrem, então, os seus corações porque aprendem como é o verdadeiro amor, como é grande o valor da oração e que é pelo amor e pela dor que os homens se elevam do seu chão cotidiano. Isso acontece justamente em momentos difíceis, em que o amor se tornou aparentemente impossível e o coração parece ter se transformado em pedra. Só o silêncio cria as condições para que tão importante aprendizado ocorra.
O silêncio permite que se desenvolva uma interação entre os companheiros dos grupos e que essa mesma interação se desenvolva dentro de um padrão de relação entre as pessoas que poderia ser entendido pelo binômio eu-tu, relacionamento direto e profundo, do olho no olho. O olho é a porta da alma e isso é conhecido desde os egípcios que pintavam as faces de perfil e sempre com olhos grandes. Também nos mosaicos bizantinos os artistas retrataram as figuras humanas com olhos grandes, desproporcionais.
Ao olhar diretamente para a face de outros seres humanos, o companheiro percebe que algo o atrai e que vai além de si mesmo. Surge, na mente daquele que faz o seu depoimento, uma espécie de responsabilidade, um sentimento de uma ética. O Poder Superior, que não nos impõe seguir ou não uma lei, de algum modo, se revela na face do próximo. Fica criado o campo propício para o surgimento de uma espiritualidade leiga, de uma ideia do sagrado.
Graças ao desenvolvimento da solidariedade, da compaixão, do amor ao próximo e, em especial, à sinergia que o silêncio propicia, um fraco mais um fraco não mais são dois fracos e sim dois fortes. Do mesmo modo, uma asa mais uma asa significam uma ave completa, que pode voar, e que, por ser inteira, recupera a sua liberdade e ganha altura. Em A.A. ouvimos, com freqüência, os seus membros dizerem que são pássaros de uma asa só e que, por isso, têm que estar sempre juntos. Mas é importante enfatizar que, num grupo, só estarão realmente juntos quando em sintonia, que só é possível dentro de um ambiente marcado por um silêncio respeitoso, empático.
Há também uma forma de relacionamento que se faz com as coisas e aí o binômio é outro, é o eu-isso. Muitas vezes, os seres humanos entram numa relação com os outros seres humanos no modo de eu-isso e aí a qualidade do relacionamento inter-humano se deteriora, pois que deixa de ser eu-tu. O pior é que esta relação, que reduz a dimensão humana da outra pessoa, ocorre frequentemente. O relacionamento eu-isso é marcado pela idéia de posse, que não existe na relação eu-tu. No decurso das nossas vidas, nos relacionamos com pessoas e coisas e muita gente se relaciona com as outras pessoas como se elas fossem coisas, procurando tirar vantagem de uma relação que, neste caso, não tem a qualidade de ser verdadeiramente humana.
O relacionamento nos grupos de A.A. tem a qualidade do eu-tu, relacionamento precioso, mas que necessita de uma abertura do coração e de uma atmosfera de silêncio respeitoso, indispensáveis ao estabelecimento de troca de interiores. A qualquer quebra de atenção durante um depoimento, a relação eu-tu se desfaz e deixa de haver as trocas enriquecedoras de interiores. Vale lembrar que as reuniões de A.A. são eventos em que se fala e que dão espaço e suporte para uma profunda mudança existencial.
A compreensão empática, que só ocorre quando há silêncio, significa que sentimos, precisamente, os sentimentos e os significados pessoais daquilo que está sendo relatado pelo companheiro. É como se os que ouvem em silêncio estivessem dentro do mundo privado daquele que faz o seu depoimento, de modo que é possível entender não só o significado do que é conscientemente relatado, mas também o que está abaixo do nível de consciência. Ouvimos até o inaudível pois que, no silêncio, nos tornamos mais sensíveis e capazes de entender até o que não é relatado num depoimento. É ir além das suas dimensões. Há uma expansão da interioridade do ser humano em direção ao outro.
O silêncio cria condições para que aquele que doa o seu depoimento abra um lugar para os outros dentro do seu mundo pessoal e isso é indispensável para a sua própria realização existencial. Por outro lado, o companheiro que faz o depoimento precisa ser ouvido e compreendido e não apenas escutado, como se fosse simplesmente um isso, uma coisa falante, um dispositivo eletrônico ou uma pessoa a pregar no deserto. O grupo de A.A. propicia o espaço de visibilidade necessário em que a grandeza fugaz da frágil existência humana possa aparecer além do fato de que a nossa existência só pode se desenvolver no estar-junto dos homens nesse mundo que nos é comum. Ademais, o silêncio também cria condições para uma comunicação ilimitada, o que é da máxima importância porque a própria verdade é comunicativa e desaparece quando não existe comunicação.
Desfrutando de um silêncio respeitoso, o companheiro pode abrir-se inteiramente, pode estar realmente presente, de corpo e alma, diante dos demais companheiros, aceitando-os e sendo aceito por eles. Esta presença, inteira e completa, de si mesmo, faz com que o companheiro fique presente também para os outros; os outros sentem a sua presença. Este aspecto é de extrema importância, pois muitas vezes estamos falando com uma pessoa que, como se diz, não está nem aí e encontra-se dispersa em seus pensamentos e interesses pessoais enquanto falamos. Frequentemente ficamos falando sozinhos, o outro está presente, mas, em realidade, não está. Deste modo, entendemos a necessária ênfase quando falamos de presença inteira e completa. No grupo, o companheiro se sente vivendo no tempo presente, vivendo o agora e, assim, em condições de alcançar o seu mais elevado potencial emocional: aberto à empatia, à compaixão e ao perdão. Conhecemos pessoas que estão sempre presentes e disponíveis e que significam muito para nós. Não há o eu sozinho, há sempre o eu-tu, na sua totalidade. Quando existe o silêncio empático, sente-se a presença inteira e completa das pessoas.
Aquele que faz o depoimento também se identifica, ganha dimensão no processo de comunicação. O relacionamento do eu com o tu quebra o isolamento, integra as pessoas. É preciso estar presente para se tornar presente para os outros. Como acentuei, às vezes, conversamos com pessoas que parecem estar muito distantes, pensando em outras coisas ou, como se diz, estão no mundo da lua e isso destrói o relacionamento entre seres humanos e, especificamente, o tu da relação eu-tu.
É importante lembrar ainda que a fala é poderosa e que, ao fazer o seu depoimento, o companheiro está consciente do que está relatando e de que a sua fala vem do coração. Estar consciente é indispensável para entrar no reino dos humanos e para o estabelecimento de uma base indispensável para a vida espiritual. Em realidade, é preciso estar consciente tanto da fala quanto das ações. Sendo verdadeiro e oferecendo a sua enriquecedora experiência de vida, o companheiro se torna um pólo de atração, e mais, ao ser consciente e honesto, a sua mente se torna mais serena e mais aberta e o seu coração mais feliz e mais pacífico. O estabelecimento de uma relação de harmonia virtuosa com o grupo traz luz ao coração e claridade à mente.
Numa atmosfera marcada pelo silêncio, estabelece-se uma vibração recíproca a partir do face-a-face, do olho-no-olho, da comunicação profunda que permite que se veja, no fundo do olho das pessoas, o que vai no seu interior; o silêncio respeitoso é indispensável para que se estabeleça essa relação profunda. Por outro lado, a comunicação superficial, feita por monossilábicos, frases gravadas e esperadas, torna as pessoas ansiosas, resultando que voltam às suas exposições, aos seus temas ou explicações porque não se sentem percebidas. O companheiro que faz o seu depoimento fala dos seus sentimentos, de emoções escondidas, reprimidas e que geram doenças. Desabafar, confidenciar, partilhar a intimidade, segredos e pecados, neste ambiente muito especial, é de grande poder curativo; é excelente terapia. Por outro lado, somente quem vive a experiência de ouvir o outro é capaz de amá-lo na sua totalidade, de todo o coração, e isso significa dar-se por gratuidade, sem reservas, de coração a coração e sentir a experiência da alegria, do medo, da coragem, do descontentamento, do sofrimento, do desejo e da tristeza.
O relacionamento que se estabelece no grupo é gratuito. Um companheiro oferece o seu depoimento, a sua experiência, e os outros membros do grupo oferecem o seu silêncio respeitoso, a sua compreensão, o seu amor de irmão. Não há nenhum interesse interposto na relação entre o membro que faz o depoimento e os demais que o escutam. Um doa a sua riqueza interior, a sua experiência, e os outros a aceitam respondendo com um sentimento de compaixão e de compreensão.
Essa é uma relação muito rica e enriquecedora que pode acontecer entre seres humanos quando assentada na reciprocidade, na capacidade de entender e de amar o próximo. Um ser só cresce com os outros dentro deste tipo de relacionamento. O silêncio possibilita o estabelecimento da via de mão dupla. Permite a manifestação da palavra com todo o seu poder e que, por sua vez, conduz à reciprocidade, entendida como um poderoso mecanismo totalizador capaz de fazer com que todos fiquem envoltos em uma só atmosfera, que cria as condições para que aquele que faz o depoimento encontre o seu interior, a sua subjetividade e que se identifique como sendo uma pessoa, um ser humano, porque também não há o tu sem o eu. A elevada compreensão cria condições para que haja paz entre os seres humanos.
Não estamos acostumados ao silêncio, à sua dimensão profunda, tão profunda que assusta, amedronta e angustia porque nos coloca diante de nós mesmos e o medo ocorre porque não nos conhecemos.
Tudo isso ocorre dentro da liberdade de tomar a decisão de prestar o seu depoimento que, no silêncio respeitoso e na relação empática, conduz a uma relação inter-humana profunda, que é o fundamento da existência em A.A.. Meditando acerca do conteúdo dos depoimentos e se abrindo para a dor e o sentimento de compaixão, os membros do grupo estarão ganhando dimensão humana e espiritualidade e isso numa época em que as pessoas se permitem esquecer cada vez mais daquilo que é mais característico do homem, que é a sua humanidade.
O silêncio atinge e penetra o coração humano e é aí que está a nossa interioridade, o lugar onde somos o que somos.
Essas considerações foram feitas a partir de uma prática que sempre me encantou em A.A.. Muitos companheiros, após o seu depoimento, agradecem dizendo: “Obrigado pelo silêncio de vocês”. Isso sempre me tocou muito e passei a meditar e a procurar o porquê, e penso que encontrei a sua essência.
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